Em 20/08/2020 às 15h37

MP ajuíza ação contra Sara Winter e pede indenização de R$ 1,3 mi por expor dados de menina abusada

Segundo promotoria da Infância e Juventude, ela teve acesso ilegal, a 'detalhes do caso de uma criança vítima de violência sexual que corre em segredo de justiça'

O Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES), por meio da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de São Mateus, propôs uma Ação Civil Pública (ACP) contrade Sara Fernanda Giromini, também conhecida como Sara Winter. Ela teve acesso, de forma ilegal, a detalhes do caso de uma criança vítima de violência sexual que corre em segredo de justiça.

Além do acesso ilegal, Sara Winter veiculou vídeo nas redes sociais, por meio do perfil do Instagram, nomeado _sarawinter (Sara Winter), bem como na página do Twitter, divulgando expressamente o nome da criança e tornando público o endereço do hospital onde ela passaria por um procedimento de interrupção da gestação indesejada. No vídeo veiculado, que obteve aproximadamente 66 mil visualizações, a extremista bolsonarista expõe a criança e a família dela e conclama os seguidores a se manifestarem, em frontal ofensa à legislação protetiva da criança e do adolescente.

No domingo Sara usou as redes para divulgar o nome da criança de 10 anos que foi engravidada pelo tio, em São Mateus. As postagens, em texto e vídeo, viralizaram nas redes sociais. Sara divulgou também o hospital onde a vítima ia passar pelo procedimento de interrupção da gravidez, autorizado pelo TJ capixaba.
O principal pedido da ACP é para que Sara Winter seja condenada a pagar uma indenização a título de dano moral coletivo, em valor a ser arbitrado pelo juízo. Esse valor deve ser revertido ao Fundo Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente. Foi dado o valor de R$ 1,32 milhão para a causa.A atitude ilícita teve como consequência uma manifestação em frente ao hospital pernambucano onde foi realizado o procedimento médico, quando a família da criança e os profissionais de saúde foram hostilizados. Essa conduta, conforme a ACP, está incluída em uma estratégia midiática de viés político-sensacionalista, que expõe a triste condição da criança de apenas 10 anos de idade.

A proteção das crianças e adolescentes, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei no 8.069/90), visa colocar a infância e juventude a salvo de toda e qualquer forma de negligência, discriminação, violência, crueldade, exploração e opressão, cumprindo o mandamento constitucional no sentido de ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar às crianças e adolescentes, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, de acordo com o artigo 227, da Constituição Federal.

Neste contexto, a conduta de Sara Winter no ambiente cibernético violou o dever, previsto constitucionalmente, "da sociedade assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito [...] à dignidade, ao respeito, [...], além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão", conforme o caput do artigo 227.

Além disso, por força de norma supralegal, crianças e adolescentes não podem ser "objeto de interferências arbitrárias ou ilegais em sua vida particular, sua família, seu domicílio ou sua correspondência, nem de atentados ilegais a sua honra e a sua reputação" (art. 16, 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança, promulgada pelo Decreto nº 99.710/1989) e "têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis" (art. 15 do Estatuto da Criança e do Adolescente).Nesse caso específico, vítima e toda a coletividade também são tuteladas pela Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), que tem o uso fundado no dever de respeitar "os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais", além da "finalidade social da rede" (art. 2º, II e VI). Ao dar publicidade, por meio da rede social Twitter, ao endereço do hospital onde se encontrava a criança vítima de violência sexual, Sara Winter desrespeitou a Constituição Federal, que tem foco na dignidade da pessoa humana.


A ACP também destaca que não existe vedação legal à publicação de notícia jornalística que trate de atos violentos praticados contra crianças ou adolescentes. O que não se permite é explorar a imagem com o intuito de obter ganhos políticos a partir da grande audiência gerada pela mensagem sensacionalista.

Frente parlamentar contra Sara

A Frente Parlamentar da Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) apresentou, nesta segunda-feira (17), uma notícia-crime contra a extremista Sara Fernanda Giromini pela divulgação de informações pessoais da criança de 10 anos que ficou grávida após ser estuprada pelo tio.

Os deputados distritais Fábio Felix (PSol), Arlete Sampaio (PT) e Leandro Grass (Rede), que assinam o documento, dizem que Sara violou artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), segundo os quais é dever de todos zelar pelo respeito e pela dignidade dos menores e é proibida a divulgação de qualquer documento, ato, dado ou ilustração que permita a identificação de menores de idade. Por isso, pedem a abertura de uma investigação pela Delegacia de Proteção da Criança e do Adolescente do Distrito Federal e pela Promotoria de Justiça de Defesa da Infância e da Juventude, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).

A divulgação de dados da vítima de estupro aconteceu no domingo (16), através das contas de Sara no Twitter, Instagram e YouTube. Na ocasião, a militante de extrema-direita publicou o primeiro nome da criança e o endereço do hospital que faria o procedimento para interromper a gravidez, previsto em lei. Ela também chamou o médico responsável pela unidade de 'aborteiro'. A postagem foi posteriormente apagada e, nesta terça (18), o YouTube tirou o canal da extremista do ar 'por violar os Termos de Serviço' da plataforma.

Após a divulgação, um grupo de religiosos organizou um protesto na frente da unidade de saúde e chegou a chamar a vítima menor de idade e o médico responsável pelo procedimento de 'assassinos'. Os manifestantes chegaram a formar uma barreira humana para tentar impedir a entrada do profissional no hospital.

"Em razão de sua conduta, no momento de realização do procedimento médico, houve aglomeração no local, o que, inequivocamente, provocou prejuízos aos direitos da personalidade da menina, além dos médicos e outros profissionais da saúde", argumentam os deputados no documento.

Os parlamentares pedem ainda a quebra de sigilo telefônico e digital da extremista para apurar se ela teve acesso aos dados da menina através do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, chefiado por Damares Alves, onde ocupou o cargo de coordenadora-geral de Atenção Integral à Gestante e à Maternidade.

Sara já é investigada em dois inquéritos, que apuram a disseminação de notícias falsas contra autoridades e o financiamento e organização de atos antidemocráticos, ambos em curso no Supremo Tribunal Federal. Em razão as investigações, extremista chegou a ficar presa temporariamente e agora é monitorada por tornozeleira eletrônica.

A reportagem entrou em contato com a defesa da extremista e aguarda resposta. O espaço está aberto para manifestações.

Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos

"O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) vem esclarecer a atuação desta pasta em relação ao caso da menina de 10 anos que engravidou após ser estuprada pelo tio, em São Mateus (ES).

Após registro de denúncia relacionada ao caso no Disque 100 (Disque Direitos Humanos), técnicos do ministério realizaram reunião virtual com membros do conselho tutelar e da secretaria de assistência social do município.

Durante o encontro, constataram, diante de diversos outros casos de violações de direitos de crianças e adolescentes na região, a necessidade de melhorar a rede de proteção local.

Em seguida, a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNDCA) e a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), ambas do MMFDH, enviaram técnicos para acompanhar, presencialmente, todos os desdobramentos desse e de outros casos com o objetivo de tomar as medidas cabíveis.

Assim como ocorreu em ocasiões semelhantes, a exemplo dos casos do menino Rhuan, do abuso de adolescentes pela internet e da suspeita de abuso sexual em Sobral (CE), o MMFDH realizou reuniões com diferentes atores do sistema de garantia de direitos da infância.

Além de instrumentos para fortalecimento da rede de proteção local, os representantes do Ministério ofereceram todo o apoio e suporte necessários às crianças vítimas de violência no município.

É importante destacar, também, que o MMFDH acompanha de perto diversas investigações para auxiliar na responsabilização do agressor pelo crime cometido, bem como para aperfeiçoar os mecanismos de proteção já existentes.

No caso específico da criança abusada, o Ministério encaminhou ofícios à Polícia Federal e à Polícia Rodoviária Federal, para que auxiliassem na localização do criminoso.

Salienta-se que os técnicos do MMFDH não sabiam o nome da criança, nem o endereço da família. E que jamais tiveram contato com qualquer pessoa próxima à criança. A atuação do Ministério limita-se ao relacionamento com as autoridades municipais durante o período de investigação.

Esses cuidados evidenciam que este Ministério não é responsável por qualquer vazamento de informação sigilosa em relação ao caso. O MMFDH respeita e age de acordo com a lei e sob os princípios da administração pública.

Lamentável que um caso tão triste tenha suscitado, desde o início da última semana, uma campanha desnecessária contra o envolvimento do Ministério. Utilizaram, de forma irresponsável, a dor de uma criança e de uma família em prol de bandeiras ideológicas que em nada contribuem para aperfeiçoar os mecanismos de proteção da infância".


Agência Estado/Dom Total