Em 02/10/2019 às 13h13

A tutela do Direito Penal e as mudanças sociais

Esse ramo do Direito sanciona condutas graves e altamente reprováveis. Contudo, é preciso coibir excessos.

Por Renato Campos Andrade*

Em uma sociedade com sérios problemas de segurança pública e um sentimento de impunidade, há um grande clamor por justiça, especialmente ligada a condenações e prisões. Existe um senso comum de que só há punição quando o infrator é trancafiado em uma prisão e passa a cumprir a pena de reclusão.

O ramo jurídico que cuida especificamente das penas restritivas de liberdade e dos crimes é o Direito Penal. Existem diversas teorias e estudos quanto à incidência da pena, visto que a sanção criminal poderia estar melhor inserida como ultima ratio, isto é, a última saída, sendo aplicada apenas quando todas as outras medidas e sanções forem ineficientes e inaplicáveis.

Não significa dizer que graves infrações não poderiam ser reguladas diretamente pelo Direito Penal. Especialmente as condutas que causam maior reprovação social merecem tratamento penal e punições rígidas, como no caso dos crimes hediondos; homicídio, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente; homicídio qualificado; latrocínio; estupro; extorsão qualificada pela morte; extorsão mediante sequestro e na forma qualificada.

Contudo, alguns crimes merecem uma releitura diante das mudanças sociais, culturais e históricas. A ausência de punição no âmbito penal não exclui a atuação de outras esferas jurídicas, como no âmbito do Direito Civil e do Direito Administrativo.

No artigo Bigamia e adultério, a bacharel em Direito, graduada pela Dom Helder Escola de Direito e pós-graduanda em Direito Criminal, Tatiana Borges de Araújo, explica que bigamia, ato da pessoa casada contrair novo casamento, é crime. "A doutrina majoritária entende que o legislador, ao considerar referida conduta como criminosa, teve como objetivo a proteção da família e do casamento. Tanto que tal infração está inserida no título dos crimes contra a família. No entanto, uma corrente minoritária entende que o legislador visou à proteção da fé pública, uma vez que o crime de bigamia configuraria uma fraude aos registros públicos."

No entanto, ela afirma que o adultério, que era punido com detenção de 15 dias a seis meses, deixou de ser crime em 2005. "Destaca-se, contudo, que, em princípio, o adultério continua sendo qualificado como ato ilícito do ponto de vista da legislação cível."

Outra conduta polêmica, tida como crime, é o rufianismo, que significa "tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça", segundo o advogado, graduado pela Dom Helder Escola de Direito e pós-graduando em Direito Tributário, Rafael Ramos da Silva, autor do artigo O lado obscuro (e nada prazeroso) da prostituição.

"A pena para esse delito é de reclusão de um a quatro anos e multa. Ocorre, porém, que se a vítima for menor de 18 anos e maior de 14 anos, ou se o crime é cometido por ascendente, padrasto, irmão ou por quem tem a obrigação de cuidado e proteção, a pena será fixada no patamar de três a seis anos. Além disso, caso o crime seja cometido com violência, grave ameaça, fraude ou outro meio que importe em violação à vontade da vítima, a pena prevista é de dois a oito anos."

Por fim, vale indicar alguns tipos penais que parecem não ter mais razão de ser, pois, por unanimidade, são considerados ultrapassados e obsoletos, como se pode verificar no artigo É crime e não se fala mais nisso, da advogada, especialista em Ciências Penais, Direito Público e em Segurança Pública e Atividade Policial, Flávia Cristina Gomes de Souza. Conforme ela, "alguns crimes previstos neste conjunto de leis extrapolam a razoabilidade, principalmente no que diz respeito às penas aplicáveis a cada um deles".

A conclusão que se chega é que o Direito Penal se presta a sancionar condutas graves e altamente reprováveis, de maneira a tipificar como crime as reais ofensas à vida e ao patrimônio. Contudo, é preciso coibir excessos, seja em razão de um sentimento de vingança, que demanda a punição criminal de qualquer ato, bem como estar atento às mudanças sociais.