Em 24/04/2019 às 21h49

Uso de dados pessoais e a proteção legal

Por Renato Campos Andrade*

Em tempos de vigilância constante e da inteligência artificial em plena evolução, cada vez mais os cidadãos são observados, medidos, comparados e usados! Sim, porque seu perfil é um bem de imensurável valor econômico para um banco, plano de saúde, partidos políticos, o governo, etc.

Basta imaginar que seus dados servirão para uma análise de crédito em uma instituição financeira, que verificará sua vida financeira desde o tempo em que você era apenas um feto (quem sabe desde que você era apenas uma ideia, visto que analisará a condição financeira dos seus pais) para verificar se irá lhe conceder um crédito ou não. Toda sua árvore genealógica servirá para lhe inserir no rol dos bons ou maus pagadores.

Já o plano de saúde, com o conhecimento de todo o seu DNA, poderá mapear defeitos genéticos, probabilidades de desenvolver doenças graves e medir sua expectativa de vida. Assim, se você for viver muito tempo e precisar constantemente de acompanhamento médico provavelmente terá que "vender seu rim" para paga o plano de saúde.

Os problemas em angariar novos eleitores poderão ser consideravelmente diminuídos se um partido tiver acesso aos hábitos dos eleitores. Sabendo o que você compra, lê e curte, ele poderá direcionar conteúdos específicos, para lhe agradar e "formar sua opinião". Gostou do post que indicou o crescimento da economia, lá vai uma mensagem do partido liberal. Ficou com pesar sobre a Previdência, toma aqui uma foto de um velhinho pobre. Tais mensagens servirão para reforçar ou mudar sua inclinação política, econômica, social.

Agora, imagine o governo, com seu histórico de vida, inadimplência, peripécias na época de adolescente, notas escolares, hábitos e manias. Fica fácil te localizar, multar, prender e, mais, o coloca em constante vigília, de maneira que sabe exatamente onde você está, com quem e fazendo o quê.

As expressões do momento estão ligadas à tecnologia e uma das mais falada é o Big Data. Seria o conjunto de informações sobre as pessoas que permitiria empresas lucrar milhões com passe livre para violações de privacidade.

Você já reparou que logo após acessar um site de sapatos já começa a receber e-mail com ofertas daquela marca? Você pensa que as notícias do seu Facebook são aleatórias ou baseadas no seu perfil, com uma leitura acurada de tudo que você visualiza na internet? Acha que é coincidência um anúncio de automóvel justamente quando você está à procura de um? Claro que não.

Sabe aqueles programinhas que colocam você mais velho, mais novo, que indicam com quem você melhor se relaciona, qual seu signo, etc? Por trás das brincadeiras está um complexo sistema de captação, monitoramento e comércio de dados pessoais. Você nem sabe, mas acabou de autorizar, ao instalar o programa, a utilizar sua imagem, dados, fotos.

Isso decorre justamente da reunião de informações sobre sua vida. Provavelmente seu gerente sabe mais da sua vida financeira que você. E isso tem espalhado para o resto do mundo. Zuckerberg, dono do Facebook, sabe exatamente qual a casa dos seus sonhos, qual praia você nunca visitou e o perfil do seu companheiro ideal.

Já imaginou como essas informações possuem um número ilimitado de possibilidades de utilização? Para o bem e para o mal? Quantas notícias de vazamento de dados sigilosos e privados você ouviu só neste ano? No início deste ano foi revelado que mais de 700 milhões de e-mails foram vazados na internet e vários milhões de senhas!

Comeu açúcar demais, veja que seu médico já lhe mandou um WhatsApp com uma bronca e que seu plano de saúde mandou um e-mail com o aumento da mensalidade pela sua desídia com a saúde e agravamento do risco de morte. Pois bem, isso tudo é real. E, por isso mesmo, é preciso um limite, devidamente sinalizado e posto pelo ordenamento jurídico.

No Brasil, a regulação é recentíssima, feita pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. No artigo A proteção de dados das pessoas físicas, o advogado; professor de Metodologia da Pesquisa, Filosofia do Direito e Direito Constitucional na Dom Helder Escola de Direito; doutor e mestre; representante discente na Diretoria do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (Conpedi); pesquisador associado ao Programa RECAJ-UFMG Acesso à Justiça e Solução de Conflitos, Caio Augusto Souza Lara, explica que "com os mecanismos cada vez mais sofisticados de mineração de dados, especialmente das preferências pessoais em redes sociais (web mining), e todos os problemas gerados com a violação da intimidade e privacidade dos usuários, o universo jurídico teve que reagir a estes novos fenômenos".

E o respaldo jurídico se encontra na lei citada. Ele adverte que a publicidade dos dados deve se dar de acordo com a finalidade, boa-fé e interesse público, conceitos abertos, o que exigirá grande debate para defini-los, com participação da sociedade civil e enfrentamento pelas cortes superiores.

A necessidade de observância da lei não é só por parte dos particulares, mas de todos, inclusive órgãos públicos. A advogada, mestranda em Direito nas Relações Econômicas e Sociais, especialista em Direito Civil Aplicado, coordenadora de pós-graduação em Direito e Tecnologia, diretora de Conteúdos e membro da Comissão de Direito para Startups da OAB/MG e membro da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L), Lorena Muniz e Castro Lage, no artigo A aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais a entes públicos, afirma que "visando a interação e sinergia entre os dados tratados pelos entes públicos, a LGPD também definiu que os dados devem ser mantidos em formato interoperável e estruturado de forma a permitir o uso compartilhado e integrado dos dados entre os entes públicos, viabilizando, assim, o acesso às informações pelo público em geral e pelos próprios entes públicos".

De acordo com ela, a intenção é que os sistemas de tratamento de dados dos entes públicos sejam passíveis de comunicação para permitir a transparência e facilidade no compartilhamento e tratamento dos dados, ainda que o sistema de outro ente seja diferente. "E, por mais que a lei permita o envio de dados pessoais entre os entes públicos, também define que só poderão ser compartilhados dados entre os entes caso atendam às finalidades de execução de políticas públicas e atribuição legal pelos órgãos e pelas entidades públicas, respeitando sempre os princípios norteadores dessa legislação."

E no artigo A Autoridade Nacional de Proteção de Dados do Brasil não é independente, o advogado, pós-graduado em Direito Constitucional, mestre em Direito Empresarial, LLM em Direito Corporativo, professor de Era Digital, Sociedade da Informação e Economia do Conhecimento de pós-graduação de Direito e Tecnologia, professor universitário de Direito e Inovação e Direito e Tecnologia, membro da Comissão de Direito para Startups da OAB/MG, Luiz Felipe Vieira de Siqueira, trata da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, agência reguladora responsável pela proteção dos dados.

Ele critica a ausência de plena autonomia do órgão: "em 27 de dezembro de 2018, Michel Temer, nos últimos dias do seu mandato como presidente, editou a Medida Provisória 869/2018, a qual alterou significativamente a estrutura da Autoridade Nacional de Proteção de Dados. A ANPD deixou de ser uma agência reguladora independente para ser um órgão da Presidência da República, com apoio técnico e administrativo da Casa Civil".

Luiz Felipe ressalta que "a LGPD dispõe sobre a mais alta multa administrativa prevista na legislação brasileira, que pode chegar a 2% do faturamento da empresa, limitada a R$ 50 milhões por infração. Ou seja, caberá a um órgão diretamente ligado à Presidência da República aplicar a vultosa sanção por força do artigo 55-K da Lei 13.709/18".

Mesmo diante de uma legislação moderna, os dados estão sujeitos a violações. Por isso é preciso estar atento a eventual utilização sem permissão, para fins, comerciais ou outros, inclusive ilícitos. 


Sugestão de pauta

A Super Manchete de Direito é uma publicação semanal do portal Dom Total, em parceria com a Dom Helder Escola de Direito, com a colaboração de profissionais e especialistas nos temas abordados. Envie-nos sugestões de assuntos que você gostaria de ver nesta editoria, pelo e-mail noticia@domtotal.com, escrevendo 'Manchete de Direito' no título da mensagem. Participe!

*Renato Campos Andrade é advogado, professor de Direito Civil e Processo Civil da Dom Helder Escola de Direito, mestre em Direito Ambiental e Sustentabilidade, especialista em Direito Processual e em Direito do Consumidor.

Fonte: www.domtotal.com/noticia